sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Amor de Vendedor de Livros


Veio forte, rasgando. Rasgava-lhe de saudade no passar dos dias. Saudade de forma fracionada. Pareceria ser deliciosa; a coisa mais intensa que já sentira na vida. Com seu jeito hipérbole de ver tudo e de viver os sentimentos. Pensara ser amor. Aquele amor que já não imaginara mais encontrar e nem tampouco existir.

Sim, tinham uma boa química, uma boa sintonia. Mas química ele vira no colégio e sintonia é para orquestra musical, banda de música. Assim pensava: tinham que ter amor; e isso não tiveram e nem tentaram ter. Nem tentaram pela simples explicação de que já imaginavam estar amando. Já? Tão rápido! Imaginavam…

Toda aquela fantasia levada a cabo de suposições, criada do absurdo devaneio de que um dia lhe bateria à porta o tal do amor. O tal do amor.

Tal como um inconveniente vendedor daquelas enciclopédias de psicologia ou plantas medicinais que compramos por empolgação, no entusiasmo, e que deixamos guardada em alguma estante, empoeirando, sem uso e quando não mais as queremos as damos a alguém, quase que implorando para um ser aceitá-las. Então, depois de algum tempo, quando algum outro vendedor de livros com uma bela gravata, sorriso cativante e boa fala à nossa porta bater, novamente cometermos a impensada aquisição. Tal como as paixões.

Com eles aconteceu assim: impensadamente, inesperadamente; surpreendendo-lhes com todos aqueles apertos no peito, surtos de saudade e momentos em que mais se parecia em transe, fora de si. Amor de vendedor de livros: empolgante e fácil de esquecer.

Toda aquela fantasia de nada servira? Fora uma vã imaginação? Claro que não! Fora divertido tal qual um sorvete em um quente dia de verão; refrescante, porém com o fim inevitável. Empolgante e ao findar-se, normal. Cotidiano, com ligações reduzidas a singelos "alôs", conversas impacientes e promessas (nem sempre cumpridas) de ligar algum outro dia. Anunciado como o fim de uma etapa ou de um período. Semelhante ao tempo de uma gestação.

Faltou-lhes algo. Alguma coisa que ambos não podiam nem tentaram explicar, sequer anos depois, mesmo porque não sabiam o que era, e não se deram ao trabalho de solucionar.

Algo nela o perturbava; algo nele a irritava. Perturbação e irritação que os conduziram a um fim trágico. Não pelo fim em si mesmo, mas pela constatação de que estavam demasiadamente corretos quanto ao que não sentiam; quanto ao que nunca sentiram.

Final recheado de desculpas e coberto com desconfianças. Repleto de medo e conformismo espalhados numa fôrma banal em forma de infantilidade e egoísmo.

Final anunciado quando o espaço entre um encontro e outro se reduzia a meras expectativas de sexo jovial e noites de prazer conduzidas pela embriaguez e insensatez de garrafas de vinhos, seguidas por manhãs em que as manhas se afloravam e se apresentava um dispensável jogo de sedução no qual pernas se enroscavam, bocas não se falavam e corpos se encontravam. Bocas com hálito noturno/matutino que não se impediam de saciar as vontades que tinham. Vontades nutridas pela ausência consentida. Às vezes conveniente e até deliciosa.

Veio forte, e assim como veio, foi-se. Aliviando tensões criadas pela própria tensão e quebrando o pacto de ficarem juntos para sempre. Pacto previamente estabelecido no imaginário delirante de ambos, porém nunca dito ao outro. Pacto tácito combinado de forma egoísta. Talvez pelo medo de ser verdadeiro ou pela realidade de nunca ser; talvez pelo medo de não dar certo ou simplesmente pelo medo de sentir medo.

Um comentário:

cão de saia disse...

sai de tras dessa terceira pessoa